Carrego comigo 
há dezenas de anos 
há centenas de anos 
o pequeno embrulho. 
 
Serão duas cartas? 
será uma flor? 
será um retrato? 
um lenço talvez? 
 
Já não me recordo 
onde o encontrei. 
Se foi um presente 
ou se foi furtado. 
 
Se os anjos desceram 
trazendo-o nas mãos, 
se boiava no rio, 
se pairava no ar. 
 
Não ouso entreabri-lo. 
Que coisa contém, 
ou se algo contém, 
nunca saberei. 
 
Como poderia 
tentar esse gesto? 
O embrulho é tão frio 
e também tão quente. 
 
Ele arde nas mãos, 
é doce ao meu tato, 
Pronto me fascina 
e me deixa triste. 
 
Guardar em segredo 
em si e consigo, 
não querer sabê-lo 
ou querer demais. 
 
Guardar um segredo 
de seus próprios olhos, 
por baixo do sono, 
atrás da lembrança. 
 
A boca experiente 
saúda os amigos. 
Mão aperta mão, 
peito se dilata. 
 
Vem do mar o apelo, 
vêm das coisas gritos. 
O mundo chama! 
Carlos! Não respondes? 
 
Quero responder. 
A rua infinita 
vai além do mar. 
Quero caminhar. 
 
Mas o embrulho pesa. 
Vem a tentação 
de jogá-lo ao fundo 
da primeira vala. 
 
Ou talvez queimá-lo: 
cinzas se dispersam 
e não fica sombra 
sequer, nem remorso. 
 
Ai, fardo sutil 
que antes me carregas 
do que és carregado, 
para onde me levas? 
 
Por que não dizes 
a palavra dura 
oculta em teu seio, 
carga intolerável? 
 
Seguir-te submisso 
por tanto caminho 
sem saber de ti 
senão que sigo. 
 
Se agora te abrisses 
e te revelasses 
mesmo em formas de erro, 
que alívio seria! 
 
Mas ficas fechado. 
Carrego-te à noite 
se vou para o baile, 
De manhã te levo 
 
Para a escura fábrica 
De negro subúrbio. 
És, de fato, amigo 
Secreto e evidente. 
 
perder-te seria 
perder-me a mim próprio. 
Sou um homem livre 
mas levo uma coisa. 
 
Não sei o que seja. 
Eu não a escolhi. 
Jamais a fitei. 
Mas levo uma coisa. 
 
Não estou vazio 
não estou sozinho, 
pois anda comigo 
2 comentários:
queria ser como voce
eu também!
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